Paris: «O nosso maior desafio será sempre a humanidade», afirma o Papa
O Papa Francisco enviou hoje uma mensagem ao presidente francês, por ocasião da Cimeira sobre Inteligência Artificial que se realiza em Paris. Na mensagem o Papa agradece a "louvável iniciativa" e pede a criação de "de uma plataforma de interesse público sobre a inteligência artificial". Para o Papa o "factor humano" deve ser sempre o decisivo pois "só o coração humano pode revelar o sentido da nossa existência"
Mensagem do Papa à «Cimeira de Ação sobre Inteligência Artificial»
Ao tomar conhecimento da vossa louvável iniciativa em convocar uma Cimeira sobre Inteligência Artificial em Paris, de 10 a 11 de fevereiro de 2025, fiquei satisfeito por verificar, Senhor Presidente, que escolheu dedicar a Cimeira à ação na área da inteligência artificial.
Durante o nosso encontro na Apúlia (região do sul de Itália), no contexto do G7, tive ocasião de salientar a necessidade urgente de “garantir e salvaguardar um espaço para o controlo humano adequado sobre as escolhas feitas pelos programas de inteligência artificial”. Estou convencido de que, na ausência deste controlo, a inteligência artificial, embora seja uma nova ferramenta “excitante”, poderá mostrar o seu lado mais “terrível”, ao representar uma ameaça à dignidade humana (cf. Discurso na Sessão do G7 sobre Inteligência Artificial, 14 de junho de 2024).
Por isso, aprecio os esforços em curso para embarcar com coragem e determinação num processo político que vise defender a humanidade de uma utilização da inteligência artificial que poderia “limitar a nossa visão do mundo a realidades expressáveis ????em números e encerradas em categorias pré-determinadas, excluindo assim a contribuição de outras formas de verdade e impondo modelos antropológicos, socioeconómicos e culturais uniformes” (ibid.). Congratulo-me igualmente que nesta Cimeira de Paris tenham procurado incluir o maior número possível de intervenientes e especialistas numa reflexão destinada a produzir resultados concretos.
Na minha mais recente Carta Encíclica Dilexit Nos, distingui entre o funcionamento dos algoritmos e o poder do “coração”, um conceito caro ao grande filósofo e cientista Blaise Pascal, a quem dediquei uma Carta Apostólica no quarto centenário do seu nascimento (cf. Sublimitas et Miseria Hominis, 19 de junho de 2023). Fi-lo para enfatizar que, embora os algoritmos possam ser utilizados para manipular e enganar, o “coração”, entendido como a sede dos nossos sentimentos mais profundos e autênticos, nunca o pode enganar (cf. Carta Encíclica Dilexit Nos, 24 de outubro de 2024, 14-20).
Peço a todos os participantes na Cimeira de Paris que não se esqueçam de que só o “coração” humano pode revelar o sentido da nossa existência (cf. Pascal, Pensées, Lafuma 418; Sellier 680). Peço-vos que tomeis como certo o princípio tão elegantemente expresso por outro grande filósofo francês, Jacques Maritain: “L’amour vaut plus que l’intelligence” (Réflexions sur l’intelligence, 1938).
Os vossos esforços, caros amigos, representam um exemplo extraordinário de uma política saudável que situa as inovações tecnológicas num projeto maior que procura o bem comum e que, por isso, está «aberta a diferentes oportunidades que não impliquem sufocar a criatividade humana e os seus ideais de progresso, mas que, pelo contrário, orientem essa energia para novos canais» (Carta Encíclica Laudato Si’, 24 de maio de 2015, 191).
Acredito que a inteligência artificial se pode tornar uma ferramenta poderosa nas mãos dos cientistas e especialistas que cooperam na procura de soluções inovadoras e criativas que promovam a ecosustentabilidade da Terra, a nossa casa comum, sem desconsiderar o elevado consumo de energia associado ao funcionamento das infraestruturas de inteligência artificial.
Na minha Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2024, que foi dedicada à inteligência artificial, insisti que “nos debates sobre a regulamentação da inteligência artificial, devem ser tidas em conta as vozes de todas as partes interessadas, incluindo os pobres, os desfavorecidos e outros que muitas vezes não são ouvidos nos processos globais de tomada de decisão” (cf. Mensagem para o LVII Dia Mundial da Paz, 1 de janeiro de 2024, 8). Neste sentido, confio que a Cimeira de Paris trabalhará para a criação de uma plataforma de interesse público sobre a inteligência artificial, para que cada nação possa encontrar na inteligência artificial um instrumento para o seu desenvolvimento e a sua luta contra a pobreza, mas também para a proteção das suas culturas e línguas locais. Só assim todos os povos da Terra poderão contribuir para a criação dos dados empregues pela inteligência artificial, para que esta reflita a verdadeira diversidade e riqueza que são apanágio da nossa família humana.
Este ano, o Dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé e o Dicastério para a Cultura e a Educação produziram em conjunto uma “Nota sobre a relação entre a inteligência artificial e a inteligência humana”. Este documento, publicado no passado dia 28 de janeiro, analisa diversas questões específicas relativas à inteligência artificial que esta Cimeira está a considerar, bem como outras que julgo serem de particular preocupação. Espero que as futuras Cimeiras considerem com mais detalhe os efeitos sociais da inteligência artificial nas relações humanas, na informação e na educação. Mas a questão fundamental é, e continuará a ser, humana, a saber: se no meio destes avanços tecnológicos, «o homem, enquanto homem, se torna verdadeiramente melhor, isto é, mais maduro espiritualmente, mais consciente da dignidade da sua humanidade, mais responsável, mais aberto aos outros, especialmente aos mais necessitados e frágeis». (cf. João Paulo II, Carta Encíclica Redemptor Hominis, 15). O nosso maior desafio será sempre a humanidade. Que nunca percamos isso de vista!
Agradeço-lhe, Senhor Presidente, e expresso a minha gratidão a todos os que contribuíram para esta Cimeira.