Síntese do Congresso «Catequese, liturgia e experiência humana»

Síntese final. Equipa Europeia de Catequese

1. Uma introdução de La Salle

Quando nos reunimos na Comissão de preparação do Congresso, fui designado para fazer a síntese final e lembro-me das palavras que foram ditas: “Seria bom para um leigo fazer a síntese num Congresso que fale de Liturgia”. Aqui temos um religioso pertencente a um Instituto que mantém a sua identidade laical há mais de 300 anos (e não tem sido fácil...) e, curiosamente, o único clérigo foi o seu Fundador, São João Baptista de La Salle.

Ao começar a preparar este resumo, lembro-me da anedota que meu ex-Superior Geral, Irmão Álvaro Rodríguez Echevarría (Superior de 2000 a 2014), me contou quando disse que foi eleito pelos seus companheiros, Presidente da União dos Superiores Gerais (aliás, o Padre Kolvenbach S.J., foi eleito vice-presidente) e o “sério” problema que causou quando foi ao Vaticano para certas reuniões ali marcadas. No final dos encontros celebravam a Eucaristia e não sabiam onde colocar o Irmão na celebração, pois ele era o Presidente, mas, ao mesmo tempo, não era sacerdote. Como disse com bom humor o meu Superior: “esta situação permitiu-me não deixar sozinho o Presidente da União dos Superiores Gerais”.

Já que começo por falar do meu Instituto, permitam-me contar uma bela história sobre São João Batista de La Salle e que nos insere muito bem no tema que temos visto nestes dias. O fundador faz o seguinte raciocínio: devo salvar as crianças pobres que vagueiam pelas ruas de Reims (França) e devo dar-lhes uma educação cristã de modo a transformá-las em bons cidadãos e bons cristãos. Para isso preciso de professores com vocação que vivem em comunidade. Assim nasce uma comunidade, não de professores, mas de Irmãos para uma missão concreta (a escola cristã).

Na reflexão subsequente, aqueles Irmãos procuram, através do diálogo, uma identidade própria, diferente da do clérigo e do leigo. Naturalmente, muitos o questionam e dizem: “Mas, já que sois homens, por que não sois sacerdotes?” É famosa a resposta que La Salle dá a um padre chamado Baudrand, no distante século XVII onde, em síntese, lhe diz: “Não há padres na comunidade porque quero comunidades fraternas onde todos sejam considerados iguais e se houver clérigos na comunidade começaria a haver diferenças de “status” e, em segundo lugar, a vida do Irmão-catequista é tão empenhada e absorvente que não tem tempo para exercer outras funções na Igreja”.

Neste sentido, é muito curioso que nas primeiras escolas lassalistas se dedicasse muito tempo à leitura e à escrita, porque se não se soubesse ler e escrever, além de não poder fazer nada na vida, não se poderia ler e estudar o catecismo. Dedicava-se um pequeno tempo ao catecismo e o final da manhã era marcado pelo momento fundamental do dia, em que todas as crianças se dirigiam à paróquia para a Eucaristia acompanhadas pelos Irmãos.

Para La Salle, além da importância da própria Eucaristia, a celebração tinha um valor catequético extraordinário. As crianças deviam estar atentas e o Irmão deva explicar aos seus alunos tudo o que acontece em todos os momentos da missa. Como poderia ele supervisionar as crianças, como lhes explicaria o sacramento se estivesse no altar?

Como vemos já no século XVII-XVIII, este grande santo já relacionava: comunidade-missão-catequese-liturgia.

2. Em Cluj-Napoca

Na última reunião em Bruxelas, Martian e Nicoletta foram contactados para a realização da reunião de 2024, na Roménia. Na hora de decidir o tema, a liturgia foi considerada porque, além de ser uma das propostas mais votadas na última reunião, pensámos que a Roménia seria um lugar ideal para discutir este tema, uma vez que tem mais tradição que os países da Europa Ocidental.

Isso mesmo nos indicou Monsenhor Claudiu na solene abertura quando disse que “para a Igreja do Oriente o principal lugar da catequese é a liturgia” e depois reforçou “que na nossa tradição encontramos uma antecipação de uma catequese de vanguarda, porque o valor da imagem na comunicação moderna está ligada à nossa tradição iconográfica. Os nossos ícones estão tocados para nos abrir para outro mundo. Requer-se uma atitude especial para ver os ícones. Eles não são vistos para contemplar o seu valor artístico, mas para aceder ao mistério de Deus para o qual o ícone nos remete”.

Para mim e para alguns com quem falei, e espero que para todos, este Congresso foi enriquecedor na aprendizagem de realidades do Oriente que, devido à nossa distância ocidental, desconhecíamos. Neste sentido destaco a apresentação de Christian Barta que se propôs ilustrar o papel da catequese na formação e promoção da identidade da Igreja Greco-Católica Romena, indicando também que a catequese não pode ser separada da iconografia, da liturgia e da espiritualidade.

Também foi interessante a contribuição de Liviu Viducan sobre a liturgia e a catequese na Igreja Ortodoxa. Com grandes detalhes históricos veio apresentar o papel e o simbolismo da Sagrada Liturgia e como a catequese litúrgica teve um papel fundamental na preservação dos valores cristãos ortodoxos de geração em geração mesmo nos difíceis 50 anos de comunismo. Fiquei impressionado com todos os esforços catequéticos feitos pela Igreja Ortodoxa desde o ponto 0 da verdadeira democracia, que foi o ano de 1989.

Os problemas técnicos foram corrigidos para obter informações sobre a Igreja Hussita da Checoslováquia. Terceira maior igreja da República Checa. Os nossos dois amigos checos partilharam connosco vários aspetos da sua Igreja, incluindo a reforma da liturgia, a sua adaptação pastoral às crianças, as escolas dominicais, os seus catecismos, a introdução do catecumenato e a preparação dos sacramentos.

Achei especialmente sugestiva a conferência sobre a dimensão catequética do ícone na Igreja Greco-Católica. Tive especial interesse por este tema porque desde muito jovem na casa da minha família tínhamos muitos ícones e na capela da comunidade temos um muito famoso “O ícone da Trindade”. Gostei muito desta frase no início do da apresentação: “Os ícones estão vivos porque nos falam de homens e mulheres que acreditaram, duvidaram e esperaram”. Os ícones são um lugar catequético. E foi isso que descobrimos durante a visita de ontem à tarde à Igreja Greco-Católica Bob.

Lembro-me do texto do DC: “As imagens da arte cristã, quando autênticas, permitem-nos intuir, através da perceção sensível, que o Senhor está vivo, presente e atuante na Igreja e na história. São, portanto, uma verdadeira linguagem de fé”.

Desde as origens do Cristianismo a imagem é utilizada pelos catequistas. Na Biblioteca do instituto de São Pio X temos guardados, como uma joia, vários pictogramas que era desenhados por missionários espanhóis que foram para a Améria, em séculos passados e ao não poder comunicar-se com os indígenas por desconhecer a língua, faziam-no através de desenhos religiosos.

Devo terminar este ponto acrescentando o carácter ecuménico que demos a este encontro. Dos Congressos em que participei (desde 2006), penso que foi o mais claro. Neste sentido, como não recordar a abertura solene com representações de tantas Igrejas irmãs. Já o dizia Stjn nas suas primeiras palavras: “A dimensão ecuménica também é fundamental nos nossos encontros. Estamos acompanhados por seis confissões cristãs. Estamos muito conscientes dos nossos irmãos ucranianos. Que o Espírito de Pentecostes nos guie”.

3. Catequese, liturgia e experiência humana. Algumas ideias

No primeiro dia do Congresso, a França teve um grande protagonismo. Temos as contribuições de Joel e Roland. Joel, especialista em história da catequese, disse-nos que “a história das ligações entre catequese e liturgia, desde finais do século XIX tem sido negativa: não houve uma evolução ou progressão constante ou linear. Os termos acaso, hesitações e mesmo eclipse aproximam-se da verdade desta história atormentada, que torna igualmente fascinante a história de uma evolução: a do pensamento sobre a função iniciadora da liturgia”.

Nos interessantes momentos prévios ao Concílio Vaticano II tivemos a sorte de contar com catequistas que marcaram a história da catequese como Jungmann e Colomb. Este último afirma a estreita ligação entre catequese e liturgia. A liturgia faz-nos ver, ouvir, caminhar, julgar e rezar os mistérios. Para Colomb, os primeiros anos da catequese deveriam girar em torno dos tempos litúrgicos.

Nas suas intervenções destacou-se duas grandes pioneiras, Françoise Derkenne e Hélène Lubienska de Lenval, na renovação catequética de França. De Françoise Derkenne tenho informações que constam da sua bibliografia e que complementam o que Ángela Kaupp nos contou ontem.

«Nas vésperas da guerra deu-se a conhecer com a publicação da sua obra principal ‘La vie et la joie au Catéchisme’. Durante a guerra, esteve em Barcelona, ??como diretora de um pequeno internato francês. Ao regressar a casa, as autoridades eclesiásticas ordenaram-lhe que frequentasse cursos regulares de teologia, mas não conseguiu obter os graus correspondentes, uma vez que estavam reservados ao clero».

Françoise Derkenne: une pionnière, in Cse 38 (1998) 150, 10 .

Mas o que aconteceu depois do Concílio Vaticano II? A marginalização da liturgia ocorre a partir do desenvolvimento da corrente antropológica da catequese. A tarefa catequética de recolher a experiência humana fundamental, profana e autónoma não poderia basear-se na liturgia, que oferece uma experiência já configurada pela Bíblia e pela linguagem da fé. Numa outra evolução, o ponto de partida da catequese é uma ideia ou valor, e continuando, tomam-se exemplos de acontecimentos da vida e excertos do Evangelho para terminar com a celebração, que muitas vezes não aconteceu.

Elena Massimi, que no seu extenso documento nos oferece, numa das suas partes, uma evolução histórica com muitos pontos em comum com a de Molinario, chega à seguinte conclusão: «Na minha opinião, […], a liturgia e a catequese passaram o mesmo caminho, num horizonte mais dualista e oposicionista do que de conjunto: por um lado a teologia, a catequese, a liturgia e por outro a antropologia, esquecendo-se que na carne do homem tem lugar a Revelação”.

Depois de percorrer este rápido caminho de século e meio (1870-2020), Molinario concluiu a sua intervenção recorrendo a esta afirmação do Diretório d Catequese: «A Vigília Pascal, centro da liturgia cristã, e a sua espiritualidade batismal são uma fonte de inspiração para toda a catequese”. Por isso, “a abordagem baseada na releitura da Vigília Pascal situa a catequese de iniciação onde a fé e a Igreja nascem no mistério da morte e ressurreição de Cristo, o primogénito dentre os mortos. O primogénito de toda a criação. Nascemos para uma nova vida na Páscoa.”

Com o professor do ISPC Roland Lacroix, começou a segunda abordagem intitulada contemporânea. Recordemos que o recente “Diretório da Catequese” fala de uma espécie de novo retorno às fontes da catequese. Para ele fala de três pontos:

1. É necessário redescobrir, tanto na catequese como no catecumenato, a ação mistagógica. Tal como a catequese, o catecumenato também sofreu o seu ‘eclipse litúrgico’. Predominou a dimensão antropológica, como na catequese, mas também, e talvez sobretudo, a dimensão pastoral.

2. Uma catequese inspirada no itinerário ritual de iniciação cristã dos adultos (RICA). A novidade da RICA reside no facto de propor um “itinerário” que inclui “tempos ou períodos pontuados por celebrações ou etapas litúrgicas importantes”, períodos e etapas que têm uma finalidade específica: iniciar os catecúmenos na vida cristã. Mas será que a Igreja voltou a ser a iniciadora?

3. Na sua opinião, uma forma positiva de responder a esta questão é redescobrir a ação mistagógica como recurso catequético. Trata-se de favorecer a “entrada” no rito através de uma palavra catequética, vivendo o rito acompanhado da sua palavra específica, e depois favorecer a “saída” do rito através de uma nova palavra catequética. Esta palavra catequética de “saída” permite-nos significar o modo como o rito pode desenvolver-se na experiência de vida das pessoas.

Neste momento quero recordar D. Emilio Alberich, Salesiano, falecido no dia 9 de setembro de 2022 em Sevilha. Foi presidente da CEE por dois mandatos de 1974-1978 e de 1994-1998. Lembro-me que o seu livro mais famoso, traduzido em várias línguas, intitulado em espanhol: “La catechesis evangelizadora” falava num dos seus capítulos sobre “Catequese e liturgia” e começava por dizer que tem havido diálogo e tensões entre liturgistas e catequistas. Elena Massimi, liturgista, também nos disse algo semelhante, mas no final da sua apresentação diz-nos que estamos condenados a trabalhar juntos não só como liturgistas e catequistas, mas também como antropólogos, sistemáticos, etc. com base no diálogo e no apoio.

Nas circunstâncias atuais a liturgia tem um potencial importante em relação ao diálogo com a contemporaneidade. Sobre este ponto, o meu grupo contou no primeiro dia com a emocionante e significativa Eucaristia que tivemos na Universidade com a família e colegas de uma estudante de 18 anos que decidiu acabar com a sua vida.

Abordagem histórica, contemporânea, ecuménica e uma abordagem final que chamamos de “Christifideles Laici”. Ângela deu-nos uma abordagem séria, rigorosa e fundamentada da liturgia, da catequese e da mulher. Não tenho muito a acrescentar. É um problema que levantamos na Igreja. Ou melhor, é “o” problema. No Diretório há três breves pontos sobre “a grande contribuição das mulheres na catequese” (DC 127-129). Alguns catequistas com quem conversei acham que parece que as mulheres aparecem tão pouco, considerando que mais de 85% dos catequistas são mulheres. Para mim, um dos desafios fundamentais para o futuro é a formação teológica das mulheres.

Finalmente, Carl Maria ligou a liturgia, a catequese e a família. A questão da família preocupa também a Igreja e preocupa-nos na CEE, de tal modo que já a discutimos longamente em 2017, em Madrid. Depois da conferência, se bem se lembram, houve um diálogo interessante sobre os tipos de família e as dificuldades enfrentadas por esta instituição fundamental para realizar o seu trabalho de transmissão da fé e primeiro anunciá-la. A contribuição da conferência centrou-se no que as nossas raízes judaicas nos podem ensinar nesta transmissão da fé, da família judaica à Igreja doméstica e em algumas propostas práticas.

4. Últimas palavras antes de terminar

Antes de terminar esta intervenção quero agradecer a Stijn pelos seus 9 anos como presidente da CEE e também a todos os membros da Comissão que aqui estiveram ao longo dos anos e com quem partilhei bons momentos.

Há alguns anos pediram-me que escrevesse a história da EEC para a revista de pedagogia religiosa “Sinite” e ali disse, entre outras coisas, o seguinte:

“A Equipa Europeia de Catequese (EEC) nasceu pouco depois do Segundo Congresso Internacional de Catequese, que teve lugar em Roma, por ocasião de um encontro entre professores de religião e responsáveis ??catequéticos nacionais europeus. O primeiro encontro aconteceu em 1951 em Estrasburgo (França) com representação de 16 pessoas de cinco países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda e França), o tema escolhido foi “o sacramento da penitência”.

E continuo:

“Na época de fundação, os membros da EEC conheciam-se bem, pelos numerosos contactos pessoais e profissionais, nomeadamente no ‘Grupo de trabalho para a educação religiosa’, que era o nome dado à EEC. Começou por ser um grupo de amigo. Logo foi institucionalizado.

Quero destacar duas ideias

- Que o próximo Congresso em 2026 será o do 75º aniversário e teremos que dar um destaque especial para relançar o nosso grupo. Estou convencido de que a reflexão catequética é mais necessária do que nunca na Igreja e a EEC tem estado na vanguarda desta reflexão. Por exemplo, ao apresentar o relatório, com muita razão, Stjin falou-nos do Congresso de Lisboa e do que implicava a reflexão então iniciada sobre “a conversão missionária da catequese”.

- Que a EEC começou como um grupo de amigos que refletiam sobre a catequese e o ensino religioso. Acho que somos um grupo de amigos e nunca devemos perder isso. Na equipa europeia vivemos a diversidade e a catolicidade da Igreja (países, línguas, carismas, vocações...) mas dentro da unidade e, todos concordamos que somos apaixonados pela transmissão deste tesouro que temos nas nossas mãos, que é o Evangelho de Jesus Cristo.

É isto neste breve resumo do Congresso. Felicito Carl e o seu novo Comité e agradeço-lhes sinceramente por aceitarem este serviço.

Obrigado

Jose Maria

Tradução EDUCRIS

 



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