Domingo XVI do Tempo Comum: «Não deixes apodrecer no chão o teu coração»

Sb 12,13.16-19; Sl 86; Rm 8,26-27; Mt 13,24-43

1. O Capítulo 13 do Evangelho de Mateus constitui o centro geográfico e teológico deste Evangelho, com as suas sete parábolas do Reino de Deus, postas na boca de Jesus. É o chamado «Discurso das Parábolas do Reino», o terceiro dos cinco grandes Discursos de Jesus neste Evangelho, depois do «Discurso da Montanha» e do «Discurso Missionário». Neste Domingo XVI do Tempo Comum continuamos, pois, a ouvir o Discurso das Parábolas do Reino iniciado por Jesus no Domingo passado, com a primeira parábola, a parábola da semente ou do semeador (Mateus 13,1-23). Hoje ouviremos as três parábolas seguintes – do trigo e da cizânia (13,24-30), do grão de mostarda (13,31-32) e do fermento (13,33) –, a que se segue, a pedido dos discípulos, a explicação de Jesus acerca da parábola do trigo e da cizânia (Mateus 13,36-43).

2. A parábola da semente (v. 1-23) é, como vimos no Domingo passado, a mãe de todas as parábolas, porque é, na verdade, a parábola ou a história do próprio Jesus, que se explica a si mesmo e o caminho que vai seguir com esta linguagem: «Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica só; mas se morrer, produzirá muito fruto» (Jo 12,24). Fica então manifesto que o caminho de Jesus é o caminho da semente. E tal como a semente é atirada à terra para morrer e depois desabrochar em frutos novos, também Jesus é lançado à terra, e este extrato diz a Paixão e a Morte. Mas, tal como a semente semeada frutifica, também Jesus frutifica com a sua Ressurreição. Dada esta identificação e analogia, não espanta que Jesus responda aos seus discípulos que, no Evangelho de Marcos, lhe pedem explicações acerca das parábolas logo no final da apresentação da parábola da semente: «Se não entendeis esta parábola, como entendereis todas as parábolas?» (Mc 4,13), que é como quem diz: “se não entendeis a história da semente, que é a minha história e o meu caminho, que andais vós a fazer como meus discípulos?”. À primeira vista, esta história de escondimento, sofrimento e morte é um rotundo fracasso, que os discípulos de Jesus pretendem evitar a todo o custo. O objetivo deles é o sucesso messiânico imediato de Jesus e deles próprios. Jesus tem de lhes explicar, a sós, recorrendo à lição de Isaías, que Ele é a Semente Santa que vem de Deus, que os homens não podem entender, pois só Deus a pode semear e fazer germinar à sua maneira. Na verdade, só Deus pode tirar vida de um toco seco (Is 6,13), de uma raiz que brota de uma terra seca, de uns ossos ressequidos, sem vida e sem ponta de esperança (Ez 37,1-14), do toco seco daquela Cruz de Jesus. Este toco secoterra secaossos ressequidos traduz em primeira instância o povo de Israel exilado, desclassificado e mirrado, sem nenhuma esperança, mas traduz também, em segunda instância, a secura da nossa vida exposta à morte, quando se fecha à vitalidade da iniciativa de Deus e da sua semente santa, que é a sua Palavra, que é o seu Filho Monogénito a nós dado, e que podemos acolher ou recusar.

3. Aos olhos daqueles discípulos de Jesus é quase escandaloso que Deus escolha o caminho do silêncio, do escondimento e da paciência, em vez de intervir já e em força para pôr ordem num mundo às avessas, em que vingam tantas forças e ideologias contrárias aos mandamentos de Deus, ao bom senso, à retidão e à justiça, e em que os justos e os humildes são tantas vezes vilipendiados e humilhados. Para aqueles discípulos, o caminho da Cruz, que Jesus se propõe seguir, e de que eles nem querem ouvir falar (cf. Mc 9,32; Lc 9,45), não só não faz sentido em si, como torna ainda mais difícil acreditar em Deus e confiar nele. É como se Deus não servisse para nada. Raciocínio idêntico pode fazer hoje a comunidade dos crentes, a Igreja, que dá cada vez menos nas vistas, não gera grandes entusiasmos à sua volta, e é muitas vezes acusada pelos altifalantes das ideologias reinantes e da comunicação social de andar vários séculos ou milénios atrasada em relação àquilo que o mundo dito moderno considera sociedade civilizada, e que é a autonomia sem nenhuma heteronomia, a mentira, a corrupção, a indiferença, a equivalência, em suma, viver cada um a seu bel prazer, sem o incómodo da presença dos justos ao seu lado (Sb 2,12-16). Na verdade, o mundo anseia pela grandeza, o sucesso, a importância, a riqueza, mas a Igreja procura caminhar pelo caminho da justiça, da paciência e da pequenez, tal como Jesus, que não se apresenta como um esplêndido vencedor que arrasta tudo e todos atrás de si. Por isso, Jesus explica devagarinho aos seus discípulos que a missão que recebeu do Pai não contempla o triunfo fácil e rápido.

4. A parábola do trigo e da cizânia (v. 24-30), que Hoje nos é dado escutar, prossegue a linha já traçado na parábola da semente. Trata-se de uma parábola exclusiva de Mateus, e é também grandemente ilustrativa e fortemente impressiva. O termo «cizânia» deriva do hebraico zunîm, que provém com certeza do verbo zanah [= prostituir-se]. A cizânia é, portanto, erva ruim e danosa no meio do trigo bom. E nós bem vemos o trigo e a cizânia, como vemos o justo e o ímpio. E gostamos de ver as coisas resolvidas já. É a nossa impaciência em esperar por mais tempo a manifestação do Reino de Deus, que queremos que venha depressa e que tudo clarifique e resolva já, que nos leva, na pessoa dos servos da parábola, a propor ao proprietário do campo acerca da cizânia: «Queres, então, que vamos arrancá-la?» (v. 28b). A pergunta está feita para que a resposta seja «Sim». Vai, porém, noutro sentido a resposta do proprietário, que nos deixa desconcertados: «Deixai-os crescer ambos juntos até à colheita» (v. 30a). E mais desconcertados ficamos, quando vimos a saber pouco depois, na explicação da parábola (v. 36-43), que «a colheita é o fim do mundo» (v. 39b), e que só então será queimada a cizânia (v. 40) e os que praticam a iniquidade (v. 42). No que respeita ao Reino de Deus, a diferença existe, mas a resolução não está no princípio. Está no fim.

5. De notar que, tal como os servos da parábola, e nós com eles, também João Batista era partidário de um julgamento já e em força, levado a efeito por um Messias justiceiro, sem dó nem piedade. De facto, ele conta-se entre os servos que queriam queimar já a palha e a cizânia. Prestemos atenção aos termos e ao tom da sua pregação:

«Já o machado está posto à raiz das árvores, e toda a árvore que não produzir bom fruto será cortada e lançada ao fogo» (Mt 3,10);

«A pá de joeirar está na sua mão: ele purificará completamente a sua eira e recolherá o seu trigo no celeiro; a palha, porém, queimá-la-á com fogo inextinguível» (Mt 3,12).

6. A mesma linguagem, mas não as mesmas ideias, mostram o contraponto claro e inequívoco do proprietário do campo, e, claro, também de Jesus:

«Deixai “crescer juntamente” (synauxánomai) ambos até à colheita, e, no tempo da colheita, direi aos ceifeiros: “Arrancai primeiro a cizânia, e juntai-a em feixes, para ser queimada; quanto ao trigo, recolhei-o no meu celeiro”» (Mt 13,30).

Como se vê, próprio de Jesus na sua missão messiânica terrena não é a intolerância e a separação radical, proceder a uma espécie de purga dos ditos maus já e em força. Esta tentação de eliminar o pretenso impuro em nome da raça pura ou superior torna-se infelizmente realidade de vez em quando na história da humanidade através de crimes inqualificáveis. Próprio de Jesus na sua missão messiânica terrena é a mansidão, a compreensão, a convivência, a tolerância e a distensão. Não quer isto dizer que para Jesus valha tudo, e que tudo valha o mesmo. Ele afirma claramente a distinção entre o bem que há que fazer e o mal que há que evitar. Mas a separação radical e definitiva entre as duas realidades também é afirmada por Jesus. Mas não é feita no início nem faz parte da sua missão messiânica terrena; será operada por Deus no final. Agora é o tempo da labuta.

7. Espantoso é ainda o milagre do grão de mostarda (v. 31-32). Pequenino. Pequenino. Tão pequenino que propriamente nem grão chega a ser. É semelhante, no corpo e na cor, a café moído, uma espécie de pó de cor acastanhada que podemos espalhar na palma da mão. Porém, deitado à terra, dá corpo a uma árvore grande, carregada de passarinhos que dela fazem a sua casa, e a enchem de música e de alegria. Assim é, para espanto nosso, o Reino dos Céus! E o fermento (v. 33), igualmente pequenino, mas que leveda três medidas de farinha, mais ou menos o equivalente a 60 quilos de farinha! Tanta farinha dá para alimentar, não uma família da Palestina, mas umas 150 pessoas! É do banquete do Reino dos Céus que se trata! E aquele «até que tudo fique levedado» traz a Eucaristia para o quotidiano da vida de uma mulher e mãe de família da Palestina, pois lembra o «até que Ele venha» da celebração da Ceia do Senhor (1 Cor 11,26), tal como fazemos neste Domingo.

8. Quando a nossa força é a norma que nos rege e nos domina, como afirmam os ímpios no Livro da Sabedoria (2,11), e a prepotente Assíria em Isaías (10,13), então já não somos livres, mas escravos da força, dominados pela força. Estamos, de resto, habituados a ver como é difícil dominar a força: basta ver as forças militares que os impérios deste mundo põem no terreno, e que depois, mesmo querendo, como é difícil voltar atrás! Mas o nosso Deus é apresentado, na lição de hoje do Livro da Sabedoria (12,13.16-19), como aquele que «domina a força» (Sb 12,18), que cuida de todos com carinho, a todos perdoa, e nos chama a ser amigos.

9. Assim também o Espírito, diz-nos hoje S. Paulo numa «migalhinha» da Carta aos Romanos (8,26-27), não grita, mas reza em nós e por nós, suavemente, com «gemidos sem palavras» (stenagmoîs alalêtois) (Rm 8,26). Trata-se, portanto, de uma lalação filial, em que conta e canta a ternura mais do que as palavras. É assim que a «migalhinha» da Carta aos Romanos acomoda à mesma mesa paterna os meninos e os passarinhos que descem dos ramos da árvore da mostarda para habitar na tua casa, Senhor (Salmo 84,4).

10. Enfim, um grande Salmo (86) toma hoje conta de nós, deixando a ressoar em nós as notas da inteira liturgia, desde logo os atributos do nosso Deus, como um Deus de «misericórdia e de graça» (rahûm wehanûn) (Salmo 86,15), como repetidamente cantaremos no refrão. Deixo aqui um pedacinho do comentário apaixonado de Santo Agostinho: «Sobre a terra, o coração não se corrompe, se o elevarmos para Deus. Se tens grão, vais guardá-lo no celeiro, para que não se estrague. E como poderás, então, deixar apodrecer o teu coração, deixando-o na terra? Leva o teu grão para um plano superior, e eleva o teu coração para o céu!».

11. Talvez venham abrigar-se nele os pássaros do céu! Talvez haja festa em tua casa!

António Couto



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