Domingo XV do Tempo Comum: «A Parábola que é Jesus»

Is 55,10-11; Sl 65; Rm 8,18-23; Mt 13,1-23

«Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica só; mas se morrer dará muito fruto» (Jo 12,24)

«Não entendeis esta parábola? E como compreendereis todas as parábolas?» (Mc 4,13)

1. Neste Domingo XV do Tempo Comum, começámos a escutar o Discurso das Parábolas de Jesus, que preenche por inteiro o Capítulo 13 do Evangelho de Mateus, e é considerado o centro deste Evangelho. Formam-no sete parábolas: da «semente» (13,1-23), do «trigo e cizânia» (13,24-30.36-43), do «grão de mostarda» (13,31-32), do «fermento» (13,33), do «tesouro escondido no campo» (13,44), da «pérola de grande valor» (13,45-46) e da «rede lançada ao mar» (13,47-52). Dada a importância deste Discurso, ele será escutado na íntegra ao longo de três Domingos: neste Domingo XV, é-nos dada a graça de escutar a parábola da «semente» (v. 1-23); no Domingo XVI, escutaremos as parábolas do «trigo e cizânia», do «grão de mostarda» e do «fermento» (v. 24-43); no Domingo XVII, escutaremos as parábolas do «tesouro escondido no campo», da «pérola de grande valor» e da «rede lançada ao mar» (v. 44-52). Seguindo a par e passo o ritmo das parábolas, vamos dando conta que vai sendo posta em causa a nossa apetência para decisões rápidas, bem como do nosso gosto de coisas claras e distintas, imponentes e concludentes: veja-se João Batista (cf. Mateus 3,10-12), os fariseus, os zelotes, os essénios… Na verdade, o teor das parábolas esbarra contra estes nossos preconceitos, e faz vir ao de cima a lentidão [semente e fermento], a espera, a paciência e a tolerância [semente, trigo e cizânia, e rede], a pequenez [semente, grão de mostarda e fermento], a riqueza diferente, que não se pode trocar por nada deste mundo [tesouro escondido e pérola].

2. Escutemos, pois, a parábola da semente, que abre a série das parábolas expostas por Jesus, e que reúne particular importância. Notamos logo que a parábola se estende por 23 versículos, e se articula em três partes importantes: A) a parábola propriamente dita (v. 1-9); B) a razão pela qual Jesus fala em parábolas (v. 10-17); C) a explicação da parábola feita por Jesus aos seus discípulos (v. 18-23). Além das três partes assinaladas, notamos também que a parábola se apresenta construída segundo o esquema retórico “3 + 1”. Assim, vamos vendo a semente a cair sucessivamente no caminho (1), no terreno pedregoso (2), entre os espinhos (3) e, finalmente, na terra boa (4). O próprio modelo ou esquema retórico empregado é já, de per si, ilustrativo, duplamente ilustrativo, pois vai colocando diante dos nossos olhos um mapa de situações diferentes e falsas, as três primeiras, para depois, finalmente, expor diante de nós a situação boa e verdadeira. Fazendo este percurso pedagógico, somos ainda obrigados a esperar até ao fim para ver o correto e lento percurso da semente desde a sementeira [novembro/dezembro] até à colheita [abril/maio]. É mesmo dito, na parábola, pedagogicamente, contra a nossa tentação de rapidez, do «pronto-a-vestir», do «pronto-a-comer», do «pronto-a-brincar», etc., que a semente que germina depressa seca depressa: «Outras, porém, caíram em terrenos pedregosos, onde não havia muita terra, e brotaram logo (euthéôs) por a terra não ter profundidade; mas, ao nascer o sol, foram queimadas, e, por não terem raiz, secaram» (v. 5-6). A mesma pressa, sublinhada na negativa, soa ainda por duas vezes na explicação dada por Jesus aos seus discípulos: «O semeado sobre os terrenos pedregosos é o que escuta a palavra e logo (euthýs) a recebe com alegria; não tem, porém, raiz em si mesmo. É inconstante. Quando surge uma tribulação ou uma perseguição por causa da palavra, logo (euthýs) se escandaliza» (v. 20-21).

3. Voltemos à parábola na página poisada. O narrador começa por dizer que, naquele dia, Jesus saiu de casa, em Cafarnaum, e foi sentar-se ali à beira, na praia do mar da Galileia (v. 1), vendo-se logo rodeado por uma grande multidão. Jesus subiu então para uma barca, afastou-se ligeiramente da praia, sentou-se na barca como numa cátedra (v. 2), e pôs-se a falar à multidão de muitas coisas em parábolas (v. 3). O primeiro dizer de Jesus é a história daquela semente pequenina e dos quatro cenários que percorre e faz passar diante dos seus ouvintes, sendo os três primeiros de completo fracasso, totalmente infrutíferos (v. 4-7), e o quarto e último, um verdadeiro sucesso registando altas percentagens de fruto (v. 8). Jesus termina esta primeira parábola, dirigida à multidão, deixando as palavras à solta, com aquele: «Quem tem ouvidos, ouça!» (v. 9).

4. É então que os discípulos, até agora não mencionados na parábola, entram abruptamente em cena, e dirigem a Jesus um dizer quase recriminatório, que soa: «Por que lhes falas em parábolas?» (v. 10), como quem diz: «Por que é que não lhes falas às claras?». Jesus responde de forma categórica: «Porque a vós foi dado (dédotai: perf. passivo de dídômi) conhecer os mistérios do Reino de Deus, mas a eles não foi dado (ou dédotai)» (v. 11). Na sua resposta, Jesus acentua claramente o contraste entre «vós» e «eles», e, mediante o uso daquele perfeito passivo, também chamado “passivo divino”: «a vós foi dado; a eles não foi dado», aponta para Deus, a quem compete revelar os mistérios do Reino de Deus numa clara alusão a Daniel 2,28. Esses mistérios estão escondidos e permanecem inacessíveis aos sábios e inteligentes; é Deus que os dá a conhecer aos pequeninos (cf. Mateus 11,25). E Jesus continua a lançar cada vez mais luz sobre o contraste que já vem de trás entre «vós» e «eles»: «Àquele que tem (échei), será dado, e viverá na abundância; mas àquele que não tem (ouk échei), até o que tem lhe será tirado» (v. 12). Entenda-se aqui a clara divisória traçada por Deus entre os pequeninos que acolhem o Reino de Deus manifestado em Jesus, e os arrogantes, orgulhosos e ignorantes que não acolhem o Reino de Deus manifestado em Jesus. Parafraseando o título de um belo livro de Paul Ricoeur, «O Símbolo dá que pensar», também poderíamos dizer que «A parábola dá que pensar». Este aforismo diz duas coisas importantes: 1) o símbolo dá: não sou eu que ponho o sentido; é o símbolo que o oferece; oferece de que pensar, mas o pensamento não se alimenta de si mesmo; 2) a parábola dá: não sou eu que ponho o sentido; é Deus que nos dá o seu Filho Monogénito (cf. João 3,16), para que nós o acolhamos. Quando dizemos que Jesus fala em parábolas, linguagem simples, que todos entendem, não sabemos bem o que estamos a dizer.

5. De forma progressiva, a parábola da semente caminha para a parábola de Jesus, que é Jesus. De forma clarividente, Jesus afirma no Evangelho de João: «Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica só; mas se morrer dará muito fruto» (João 12,24). Lado a lado, a semente e Jesus. Paralelismo perfeito. Uma vez caída à terra, a semente dará o grão e o pão. Caída à terra, a semente morre para nascer de outra maneira. É a Paixão. Da semente à Paixão e ao Pão: é todo o processo ou parábola de Jesus a passar diante dos nossos olhos atónitos! Como se vê, a parábola da semente é decisiva para entender a parábola de Jesus. E não espanta que, no texto de Marcos, Jesus questione de forma contundente os seus discípulos a propósito da sua não compreensão da parábola da semente: «Não entendeis esta parábola? E como compreendereis todas as parábolas?» (Marcos 4,13). Fica tudo transparente: se não entendemos a semente, o início do processo, como entenderemos o inteiro processo?

6. No texto de hoje, e para levar os seus discípulos à correta compreensão das parábolas de Jesus, ou da parábola que é Jesus, o próprio Jesus põe os seus discípulos a ler atentamente a missão de Isaías que, de resto, Jesus faz sua, citando-a (cf. Mateus 13,14-15). Trata-se de uma estranha missão, aparentemente votada ao fracasso. Transcrevemos: «Ele disse: “Vai e diz a este povo: escutai escutando, e não compreendereis; vede vendo, e não conhecereis. Engorda o coração deste povo, torna-lhe pesados os ouvidos, gruda-lhe os olhos, para que não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, e não compreenda com o seu coração, e não se converta e não seja curado”. E eu disse: “Até quando, Senhor?” Ele disse: “Até que fiquem desertas as cidades, sem habitantes, e as casas sem gente, e a terra deserta e desolada, e o Senhor remova para longe a gente, e muita solidão no interior do país. E se ficar nele ainda um décimo, será por sua vez lançado ao fogo, como o carvalho e o terebinto que são abatidos, ficando lá apenas um toco (matstsebet). Semente santa (zera‘ qodesh é esse toco (matstsebet)”» (Isaías 6,9-13).

7. Compreende-se que é preciso deixar tudo nas mãos de Deus. Só Deus pode fazer brotar pão de um toco seco. É esta a verdadeira parábola da Palavra e do Profeta, classificado «como raiz que brota de uma terra árida» (Isaías 53,2b), e de Jesus cuja Luz desponta naquela Cruz (cf. Romanos 3,24-25). Na verdade, segundo o próprio dizer de Jesus, Ele fala em parábolas para que, de acordo com a lição de Isaías acima transcrita, «vejam sem ver e ouçam sem ouvir» (Mateus 13,13). É, na verdade, o que acontece. Os próprios discípulos estão sempre a pedir explicações (cf. Mateus 13,36; Marcos 4,10). E só a eles Jesus explica tudo devagar (cf. Marcos 4,34). Desiludam-se os que pensam e dizem que Jesus fala em parábolas para que todos possam compreender. Na verdade, a parábola que é Jesus passa despercebida às multidões, e até os seus discípulos saem de cena desconcertados (cf. Mateus 26,56; Marcos 14,50). Poucos chegarão a ver e a compreender que Jesus é a semente que cai à terra e morre para viver e fazer viver. Poucos chegarão a ver e a compreender que Jesus é o «toco seco», a raiz que brota de uma terra árida ou daquela Cruz, semente santa vinda de Deus e por Deus semeada. E que dará muito fruto, muito pão sobre a mesa do Altar.

8. Tudo anunciado por Deus. Como a chuva rega o chão e faz germinar o pão, assim a Palavra de Deus há de regar o coração e fazer germinar a conversão e a salvação, cumprindo assim a sua missão. É a lição de Deus em Isaías 55,10-11, que, por graça, escutaremos também neste Domingo.

9. Brotará então dos nossos lábios a bela canção do Salmo 65, em que o nosso coração se veste de festa e de primavera para enaltecer as maravilhas da criação, também ela com rosto, e com rosto tenso, completamente voltado para Deus, porque tudo recebe de Deus, porque se recebe de Deus. A criação com rosto, e com rosto completamente tendido para Deus, quase saindo fora do pescoço, tal a intensidade da espera, é uma imagem cunhada por Paulo com dois belíssimos termos gregos, ambos utilizados na lição deste Domingo da Carta aos Romanos 8,18-23, de que aqui transcrevemos os versículos 18 e 19: «Penso, de facto, que os sofrimentos do tempo presente não têm medida de comparação com a glória que está para ser revelada (apokalyphthênai) em nós. Com efeito, O ROSTO TENSO (apo-kara-dokía) da criação (tês ktíseos) a revelação (apokálypsis) dos filhos de Deus ESPERA em tensão RECEBER (apekdéchetaiapò + ek + déchomai)» (Romanos 8,18-19).

10. O primeiro termo é apokaradokía, de apò + kara + dokéô [= fora de + cara (rosto) + esperar/olhar atentamente], que só Paulo usa no Novo Testamento na Carta aos Romanos 8,19 e na Carta aos Filipenses 1,20, e que é desconhecido no grego antes do Cristianismo. Traduz a atitude de quem se coloca em bicos de pés, alongando o pescoço o mais que pode, com ânsia extrema e intensa de tentar ver o que ainda não se vê. É a atitude da esperança. E é esperando assim que se apanha o «tique» da esperança que, na língua hebraica se diz tiqwah! Diz bem o poeta da esperança: «Difícil é esperar, com humildade e paciência. Fácil é desesperar, e é a grande tentação» (Charles Péguy). O segundo termo é o verbo apekdéchomai, de apò-ek-déchomai [= fora de + desde + receber], usado 8 vezes no Novo Testamento, 6 das quais em Paulo (Romanos 8,19.23.25; 1 Coríntios 1,7; Gálatas 5,5; Filipenses 3,20; ver também Hebreus 9,28; 1 Pedro 3,30), e desconhecido nos LXX, implica uma forte conotação de recepção, tensão para receber a salvação de Deus – viver de (ek) receber e de se receber (déchomai) de Deus (1 Coríntios 1,7), saindo de si (apó) para se orientar completamente para Deus, tensão para o dom, pois um dom não o podemos produzir com as nossas mãos; só o podemos receber de outras mãos. A esperança bíblica e cristã consiste na dupla atitude amante de estarmos sempre à espera de Alguém, e de sabermos bem que Alguém espera por nós. Espera, não vazia, mas grávida de realização e de confiança: «espera que contém a presença, pergunta que contém a resposta, esperança que contém o cumprimento» (Karl Barth).

António Couto



Newsletter Educris

Receba as nossas novidades