Domingo XVIII do Tempo Comum: «Senhor, dá-nos sempre desse pão»

1. Continuamos, neste Domingo XVIII do Tempo Comum, a revisitar a página Evangélica de João 6, no caso de hoje, 6,24-35. Depois do episódio do CONDIVISÃO dos pães, Jesus afastou-se sozinho para o monte (João 6,15), e os seus discípulos entraram na Barca e atravessaram o Mar da Galileia, na direção de Cafarnaum (João 6,16-17). Em pleno Mar, foram apanhados pelo escuro, por um vento grande e pelo medo (João 6,17-20). Na verdade, iam sós, pois Jesus ainda não tinha vindo ter com eles. Mas vem, e com ele vem também a calma e a serenidade, e logo encontram rumo seguro para terra (João 6,21). Definitivamente: os discípulos de Jesus não podem andar sozinhos, sem Jesus: quando o fazem, invade-os a noite, a tormenta, o medo.

2. Com o afastamento de Jesus para o monte, também a multidão ficou sozinha, mas leva mais tempo até se aperceber da sua solidão e da ausência de Jesus. O escuro não os preocupa. Passam a noite a dormir descansadamente. Só no dia seguinte se apercebem da falta de Jesus, da falta que Jesus lhes faz, e vão à procura d’Ele (João 6,22-24). Encontram-no, e manifestam a confusão neles instalada, perguntando: «Rabbî, quando vieste para aqui?» (João 6,25).

3. Sem contemplações e com palavras duríssimas, Jesus desvenda logo, de forma clara e solene, a sonolência e incompreensão que os habita: «Em verdade, em verdade, vos digo: “Vós procurais-me, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e enchestes a barriga como animais (chortázô)”» (João 6,26). A comparação é forte e de denso sabor profético. O verbo usado é chortázô, derivado de chórtos, que significa «erva seca», «feno», «palha». No dizer de Jesus, aquela multidão comeu como comem os animais. E, no fim, deitam-se a dormir. Até ao dia seguinte. A comida dos animais também é dom de Deus, mas eles não se apercebem, nem agradecem. Do mesmo modo, a multidão come e dorme. Não vê nem lê «sinais». O alimento recebido não dá que pensar e que rezar. Não se apercebe que o alimento é dom de Deus, e que remete, portanto, para Deus.

4. E tão-pouco entendem que está ali o verdadeiro pão da vida (João 6,35). Não veem nem ouvem Jesus, e o sentido novo que traz para a vida das pessoas. Limitam-se a contar a história antiga do maná antigo que os seus pais comeram no deserto. Como quem diz (e nós repetimos muitas vezes o mesmo refrão viciado): «antigamente é que era!».

5. E esse maná antigo era, afinal, bem pouca coisa. Mas foi «visto» como sinal da providência de Deus em pleno deserto, como ensina a lição de hoje do Livro do Êxodo 16. Trata-se do maná chamado lecanora, que se encontra desde o Irão até ao Norte de África, portanto também no norte da Península sinaítica, que é granuloso e aguado, de dimensões bem reduzidas, minúsculas, do tamanho da semente do coentro [= cerca de 5 milímetros de diâmetro], de cor branca, e tem sabor a mel (Êxodo 16,31). Trata-se, na verdade, da secreção produzida pelo tamarisco, chamado tamarix gallica ou tamarix-mannifera, após a picada de um inseto, o coccus manniparus, ou de dois, a trabutina-mannipara e o naiacoccus serpentinus.

 

6. Afinal, é bem pouca coisa o maná. Tal como os cinco pães e os dois peixinhos. Mas, quando se vê como um dom de Deus, essa pouca coisa é tanto! Eis como admiravelmente escreve o Livro da Sabedoria, quando fala do maná: «nutriste o teu povo com um alimento de anjos, DESTE-lhe o PÃO do CÉU, com mil sabores: ele manifestava a tua DOÇURA (glykýtês, glicose). Assim os teus FILHOS QUERIDOS aprenderam, Senhor, que NÃO É A PRODUÇÃO DE FRUTOS que alimenta os homens, mas a tua Palavra que a todos sustenta» (Sabedoria 16,20-21.26). Aí está, claro, claríssimo, o indicador correto da compreensão da chamada «multiplicação» dos pães por Jesus. Não, Jesus não faz o papel de um qualquer produtor ou empresário que faz uma operação de multiplicação de bens, para satisfazer os desejos das pessoas, em termos de consumo e de mercado. Ele distribui, reparte, partilha a Palavra de Deus, fazendo nascer desta operação um mundo novo. Já todos devíamos saber que aumentar a produção pode aumentar a ganância, mas não resolve o problema da fome ou da pobreza. Aumentar a produção não é nenhum milagre. O milagre reside na partilha! O nosso povo simples, que guarda sempre uma inteligência grata e penetrante, diz bem que «o pouco com Deus é muito; o muito sem Deus é nada!». Admirável sabedoria e sintonia com o Evangelho de Jesus!

7. Jesus é a Palavra Viva, o Pão da Vida, que, no meio de nós, manifesta a Doçura ou a Glicose de Deus (cf. Sabedoria 16,21). É sempre tendo este Jesus como referência e fonte de vida nova, que devemos abandonar a antiga vida oca e vã (mátaios), a inteligência obscurecida (skótos), a alienação (apallotrióô) e a ignorância (agnôsía) de Deus, o coração endurecido (pôrôsis), que geram insensibilidade, dissolução, impureza e avidez, e, em Jesus, renovar a nossa inteligência, compreensão e sentido da vida, revestindo-nos (endýô) de hábitos novos, que não se vendem ou compram no pronto-a-vestir (Efésios 4,17-24).

8. Sim, Ele está no meio de nós, mas não é nosso. Não é um sistema de produção ou de abastecimento. Ele é o Amor, a Alegria, a Vida Vivente e Eterna, Vida divina, dita zôê (João 6,33) ou zôê aiônios (João 6,27), e não bíos ou psychê, vocábulos que dizem a nossa vida corrente e o seu sustento. Ele é o Céu e o Pão descido do Céu à nossa terra, para nos fazer viver felizes e nos elevar à sua condição de Filho, filhos no Filho. Está no meio de nós, mas não o podemos reter ou possuir. Ensina-nos bem Abraham Joshua Heschel que um dom é como um vaso cheio de afeto, que se quebra logo que o recebedor o comece a considerar como seu. Senhor Jesus, dá-nos sempre desse pão!

9. O Salmo 78 ensina-nos que a Bíblia é a longa história de uma salvação sempre oferecida, acolhida e, por vezes, rejeitada. Lembra-nos que as maravilhas de Deus não são para guardar no cofre da família, mas para passar, de mão em mão, de coração a coração, de pais para filhos, de geração a geração. A catequese é o anúncio de um acontecimento em carne viva que nos deve comprometer, e não de uma série de frias, enlatadas ou requentadas fórmulas ou teses teológicas.

 

António Couto



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