Roma: «Ser humano é pertencer», por Carmo Diniz

«Nós, não eles – a deficiência na Igreja» realiza-se este fim de semana em Roma

No contexto do 1º Congresso da Pastoral da Deficiência Italiana, que está a decorrer em Roma nestes dias, foi possível juntar 150 dioceses italianas e mais 8 grupos de representantes de Conferências Episcopais não italianas. É o 1º Congresso, espera-se que de muitos mais e em tantos mais países.

Os oradores vêm de muitos sítios, chamados pela Irmã Verónica Donatello que é a responsável deste serviço. E falam de um tema comum ‘Nós, não eles – a deficiência na Igreja’. Quantas vezes falamos sobre as pessoas com deficiência sobre esta perspetiva? ´Eles querem isto´, ´eles fazem assim´, ´não são como nós´. Será esta a nossa forma de lidar com as pessoas com deficiência? Como pessoas com características diferentes das nossas, categorizadas, com padrões de comportamento e atitudes que sabemos descrever; a quem não perguntamos opinião; sobre quem decidimos.

O padre jesuíta Justin Glyn, australiano, com muito baixa visão, falou sobre a discriminação na Igreja. Sobre a falta de rampas de acesso aos edifícios, sobre a falta de acesso a documentos. Sabemos que temos trabalho para fazer neste campo, mas o padre Justin falou também sobre a forma como o corpo é diferente nas suas partes e como os olhos não podem dizer à mão: ‘tu não és necessária’ ou a mão ao pé: ‘tu não és útil’. E de como todo o corpo sofre quando um dos seus membros sofre, mesmo que a parte que sofre não pareça ser útil para a outra parte. O padre Justin lutou para que a sua deficiência não o definisse no seu percurso, apesar de ouvir algumas vezes: ‘não vês, portanto, não és útil’. E conseguiu. O padre Justin é um membro pleno da Igreja que mostra aos outros membros a sua enorme utilidade e que nos faz pensar sobre o que significa ser humano e o que significa ser Igreja.

Um teólogo irlandês, enfermeiro de saúde mental e de pessoas com demência, John Swinton, veio de seguida percorrer as Escrituras para nos contar que Deus criou-nos do pó e soprou sobre nós para nos dar a vida. Mas ninguém sabe na realidade como era Adão, o primeiro homem. Seria uma figura perfeita? O que sabemos é que Deus ficou satisfeito com a criação e amou-nos, deu-nos responsabilidade sobre o mundo e uns pelos outros. Portanto ser cuidado faz parte do processo de ser humano.

Percorrendo as Escrituras John mostra-nos que Deus não nos quer mudar, Deus muda a forma como vivemos a nossa experiência. Deus funciona no mundo como ele é, nós temos apenas de ser. Deus cria e diz: ‘tu pertences aqui, tal como és’. Como é que podemos então criar espaços de pertença? Para pertencer temos que sentir que fazemos falta a alguém. Tratar das questões logísticas é importante – construir rampas, etc... – mas a pertença precisa de presença, temos que garantir que estamos presentes e recusar a cultura da ausência.

O arcebispo de Modena, D. Erio Castellucci trouxe os trabalhos do sínodo para cima da mesa. Lembrou-nos que dá trabalho ser discípulo, que requer disciplina. Muitas vezes na Igreja queremos fazer o papel de Marta e fazer muitas tarefas mas o Papa tem-nos pedido para sermos um pouco mais como Maria, para estarmos e ouvirmo-nos uns aos outros.

Porque a beleza nos ajuda a estar, a ouvirmo-nos e a olharmo-nos, fomos convidados a fazer uma visita guiada ao Museu do Vaticano. Um dia intenso numa cidade com muito calor. A beleza da Capela Sistina, um local de oração totalmente acessível apesar dos degraus que tem e que foi totalmente adaptada para pessoas com mobilidade reduzida faz-nos pensar que todos nós somos Igreja, que todos nós podemos partilhar a beleza de admirar a arte e o encontro de uns com os outros. Deixemos por favor o ‘eles’ de parte.

Carmo Diniz
coordenadora do Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa
coordenadora do Gabinete de Diálogo e Proximidade do Comité de Organização Local da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023

 

Educris|04.06.2022



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