«O Sínodo não é um parlamento. O protagonista é o Espírito Santo», afirma o Papa

Eucaristia marca a aberura da Assembleia Geral ordinária do Sinodo dos Bispos. Francisco evoca Concílio Vaticano II e Bento XVI e pede uma Igreja de “portas abertas a todos, a todos, a todos!"

Leia na íntegra, e em português, a homilia do Santo Padre

O Evangelho que acabámos de escutar  é precedido pela história de um momento difícil da missão de Jesus, que poderíamos definir como “desolação pastoral”: João Batista duvida que ele seja realmente o Messias; muitas cidades por onde passou, apesar dos milagres realizados, não se converteram; as pessoas acusam-no de ser um glutão e um bêbado, quando ainda, pouco tempo antes, se queixavam do Batista porque era muito austero (cf. Mt 11, 2-24). Contudo, vemos que Jesus não se deixa levar pela tristeza, mas eleva os olhos ao céu e abençoa o Pai porque revelou aos simples os mistérios do Reino de Deus: «Eu te louvo, Pai, Senhor de céu e a terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos» (Mt 11,25). No momento da desolação, portanto, Jesus tem um olhar capaz de ver além: louva a sabedoria do Pai e sabe ver o bem escondido que cresce, a semente da Palavra acolhida pelos simples, à luz do Reino de Deus que caminha também durante a noite.

Queridos irmãos Cardeais, irmãos Bispos, irmãs e irmãos, estamos na abertura da Assembleia Sinodal. E não precisamos de um olhar imanente, feito de estratégias humanas, de cálculos políticos ou de batalhas ideológicas – se o Sínodo dá esta permissão, aquela outra, abre esta porta, aquela outra – não serve para nada. Não estamos aqui para realizar uma reunião parlamentar ou um plano de reforma. O Sínodo, queridos irmãos e irmãs, não é um parlamento. O protagonista é o Espírito Santo. Não. Não estamos aqui para fazer parlamento, mas para caminhar juntos com o olhar de Jesus, que abençoa o Pai e acolhe quem está cansado e oprimido. Partimos, portanto, do olhar de Jesus, que é um olhar abençoador e acolhedor.

1. Vejamos o primeiro aspeto: um olhar de bênção. Apesar de ter experimentado a rejeição e de ter visto ao seu redor tanta dureza de coração, Cristo não se deixa aprisionar pela desilusão, não se torna amargo, não extingue o louvor; o seu coração, fundado no primado do Pai, permanece calmo mesmo na tempestade.

Este olhar de benção do Senhor convida-nos também a ser uma Igreja que, com alma alegre, contempla a ação de Deus e discerne o presente. E que, no meio das ondas por vezes agitadas do nosso tempo, não desanima, não procura lacunas ideológicas, não se barrica atrás de crenças adquiridas, não cede a soluções convenientes, não deixa o mundo ditar a sua agenda. Esta é a sabedoria espiritual da Igreja, resumida com serenidade por São João XXIII: «É necessário antes de tudo que a Igreja nunca tire os olhos da herança sagrada da verdade recebida dos antigos; e ao mesmo tempo necessta de olhar também para o presente, que trouxe novas situações e novos modos de vida, e abre novos caminhos para o apostolado» (Discurso de abertura solene do Concílio Ecuménico Vaticano II, 11 outubro de 1962).

O olhar dew benção de Jesus convida-nos a ser uma Igreja que não enfrenta os desafios e os problemas de hoje com um espírito divisivo e conflituoso, mas que, pelo contrário, dirige o olhar para Deus que é comunhão e, com espanto e humildade, o abençoa e adora-o, reconhecendo-o como seu único Senhor. Pertencemos a Ele e – lembremo-nos – existimos apenas para trazê-Lo ao mundo. Como nos disse o Apóstolo Paulo, não temos outro «gloriar-se senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo» (Gl 6,14). Isto é suficiente, Ele é suficiente para nós. Não queremos glórias terrenas, não queremos tornar-nos belos aos olhos do mundo, mas alcançá-lo com a consolação do Evangelho, para melhor testemunhar, e a todos, o amor infinito de Deus. De facto, como afirmou Bento XVI ao discursar numa Assembleia sinodal, «a questão para nós é: Deus falou, quebrou verdadeiramente o grande silêncio, mostrou-se, mas como podemos fazer com que esta realidade chegue ao homem de hoje, para que se torne salvação?» (Meditação na I Congregação Geral da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 8 de outubro de 2012). Esta é a questão fundamental. E esta é a tarefa principal do Sínodo: voltar a centrar o nosso olhar em Deus, ser uma Igreja que olha para a humanidade com misericórdia. Uma Igreja unida e fraterna – ou pelo menos que procura ser unida e fraterna –, que escuta e dialoga; uma Igreja que abençoa e encoraja, que ajuda quem busca o Senhor, eu dessasosega para o bem os indiferentes, que abre caminhos para iniciar as pessoas na beleza da fé. Uma Igreja que tem Deus no centro e que, portanto, não está dividida internamente e nunca é áspera no exterior. Uma Igreja que corre riscos com Jesus: é assim que Jesus quer a Igreja, é assim que quer a sua Esposa.

2. Depois deste olhar de benção, contemplamos o olhar acolhedor de Cristo. Enquanto aqueles que se consideram sábios não conseguem reconhecer a obra de Deus, Ele alegra-se no Pai porque este se revela aos pequenos, aos simples, aos pobres de espírito. Uma vez havia uma dificuldade numa paróquia e as pessoas falaram dessa dificuldade, contaram-me coisas. E uma senhora idosa, muito idosa, uma senhora do povo, quase analfabeta, fez um discurso como uma teóloga, e com tanta mansidão e sabedoria espiritual deu a sua contribuição. Lembro-me daquele momento como uma revelação do Senhor, até com alegria; e ocorreu -me perguntar-lhe: “Diga-me, senhora, onde estudou, com Royo Marín, esta teologia forte?”. Os sábios do povo têm esta fé. E por isso, ao longo da sua vida, assume este olhar hospitaleiro para com os mais fracos, os sofredores, os rejeitados. Ele dirigese a eles em particular, dizendo o que ouvimos:«“Vinde a mim, todos os que estais cansados ??e sobrecarregados, e eu vos aliviarei» (Mt 11,28).

Este olhar acolhedor de Jesus convida-nos também a ser uma Igreja hospitaleira, não de portas fechadas. Num tempo complexo como o nosso, surgem novos desafios culturais e pastorais, que exigem uma atitude interna cordial e amável, para podermos confrontar-nos sem medo. No diálogo sinodal, nesta bela “marcha no Espírito Santo” que empreendemos juntos como Povo de Deus, podemos crescer na unidade e na amizade com o Senhor para olhar com o seu olhar os desafios de hoje; tornar-se, segundo uma bela expressão de São Paulo VI, uma Igreja que «conversa» (Carta Encíclica Ecclesiam suam, n. 67). Uma Igreja “com jugo suave” (cf. Mt 11,30), que não impõe fardos e que repete a todos: «Vinde, vós que estais cansados ??e oprimidos, vinde, vós que vos perdestes ou que vos sentis distantes, vinde, vós que fechastes as portas à esperança: a Igreja está aqui para vós!”. A Igreja das portas abertas a todos, a todos, a todos!

3. Irmãos e irmãs, Povo Santo de Deus, diante das dificuldades e dos desafios que nos esperam, o olhar de benção e acolhedor de Jesus impede-nos de cair em algumas tentações perigosas: a de ser uma Igreja rígida - um costume -, que se arma contra o mundo e olha para trás; de ser uma Igreja morna, que se entrega às modas do mundo; de ser uma Igreja cansada, fechada em si mesma. No livro do Apocalipse, o Senhor diz: «Estou à porta e bato para que se abra»; mas muitas vezes, irmãos e irmãs, Ele bate à porta, mas de dentro da Igreja, para que deixemos o Senhor sair com a Igreja para anunciar o seu Evangelho.

Caminhemos juntos: humildes, ardentes e alegres. Caminhamos nas pegadas de São Francisco de Assis, o Santo da pobreza e da paz, o “louco de Deus” que carregou no corpo os estigmas de Jesus e, para vestir-se Nele, se despojou de tudo. Quão difícil é este despojamento interno e também externo de todos nós e também das instituições! Conta São Boaventura que, enquanto rezava, o Crucifixo lhe disse: «Vai e repara a minha igreja« (Legenda maior, II, 1). O Sínodo serve para nos recordar isto: a nossa Igreja Mãe precisa sempre de purificação, de ser “reparada”, por que todos somos um Povo de pecadores perdoados - ambas as coisas: pecadores perdoados -, sempre necessitados de regressar à fonte que é Jesus e retomar os caminhos do Espírito para chegar a todos com o seu Evangelho. Francisco de Assis, num tempo de grandes lutas e divisões entre o poder temporal e religioso, entre a Igreja institucional e as correntes heréticas, entre cristãos e outros crentes, não criticou e não atacou ninguém, apenas pegou nas armas do Evangelho , isto é, humildade e unidade, oração e caridade. Façamos nós também isto! Humildade e unidade, oração e caridade.

E se o povo santo de Deus com os seus pastores, de todas as partes do mundo, têm expectativas, esperanças e até alguns receios em relação ao Sínodo que estamos a iniciar, recordemos novamente que não se trata de um encontro político, mas de uma convocação no Espírito; não um parlamento polarizado, mas um lugar de graça e comunhão. O Espírito Santo, assim, quebra muitas vezes as nossas expectativas para criar algo novo, que supere as nossas previsões e as nossas negatividades. Talvez possa dizer que os momentos mais fecundos do Sínodo são os da oração, mesmo o ambiente de oração, com o qual o Senhor age em nós. Abramo-nos a Ele e invoquemo-Lo: Ele é o protagonista, o Espírito Santo. Deixemo-lo ser o protagonista do Sínodo! E com Ele caminhemos, com confiança e alegria.

Tradução Educris a partir do original em italiano

Imagem: Vatican Media

Educris|04.10.2023



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