Educação: Papa quer instituições de ensino católicas inovadoras e a funcionar como «um coro»

Francisco pediu, aos reitores, professores e estudantes e pessoal das universidades e instituições pontifícias romanas a capacidade de "aceitar os desafios de uma nova era", apoiando-se na ideia de uma educação que esteja ao serviço "da mente, do coração e da mãos"

Leia, na íntegra, o discurso do Santo Padre 

 

Senhor Cardeal,
Ilustres Reitores e Professores,
queridos irmãos e irmãs, bom dia e bem-vindos!
 

Agradeço ao professor Navarro as suas palavras e a presença de todos. Como recorda a Constituição Apostólica Veritatis gaudium (cf. Proemio, 1), vós pertenceis a um vasto e multiforme sistema de estudos eclesiásticos, que floresceu ao longo dos séculos graças à sabedoria do Povo de Deus, difundido no mundo e estreitamente ligado à a missão de evangelização de toda a Igreja. Vós fazeis parte de uma riqueza que cresceu guiada pelo Espírito Santo na pesquisa, no diálogo, no discernimento dos sinais dos tempos e na escuta de diversas expressões culturais. Nela destacais a vossa especial proximidade - também geográfica - ao Sucessor de Pedro e ao seu ministério de alegre anúncio da verdade de Cristo.

Sois mulheres e homens dedicados ao estudo, alguns por alguns anos, outros pela vida toda, com diversas formações e habilidades. É por isto que antes de tudo quero dizer-vos, com as palavras do santo bispo e mártir Inácio de Antioquia: comprometei-vos a "fazer coro"[1]. Fazei Coro! De facto, a universidade é a escola do acordo e da consonância entre diferentes vozes e instrumentos. Não é a escola da uniformidade: não, é acordo e consonância entre diferentes vozes e instrumentos. São John Henry Newman descreveu-a como o lugar onde diferentes conhecimentos e perspetivas se expressam em harmonia, se completam, se corrigem e se equilibram[2].

Esta harmonia pede para ser cultivada antes de tudo em vós mesmos, entre as três inteligências que vibram na alma humana: a da mente, a do coração e a das mãos, cada uma com o seu próprio timbre e caráter, e todas necessárias. Linguagem da mente que se combina com a do coração e das mãos: o que pensas, o que sentes, o que fazes.

Gostaria, em particular, de me deter num momento convosco sobre o último dos três: a inteligência das mãos. É o mais sensorial, mas nem por isso o menos importante. Na verdade, pode dizer-se que é como a centelha do pensamento e do conhecimento e, de certa forma, também o seu resultado mais maduro. A primeira vez que fui à praça, como Papa, aproximei-me de um grupo de meninos cegos. E um disse-me: “Posso ver-te? Posso olhar-te? Eu não entendi. Sim – disse-lhe eu. E com as mãos procurava-me.… via-me tocando-me com as mãos. Isso impressionou-me muito e fez-me entender a inteligência das mãos. Aristóteles, por exemplo, dizia que as mãos são “como a alma”, pelo poder que têm, graças à sua sensibilidade, de distinguir e explorar[3]. E Kant não hesitou em defini-las como "o cérebro externo do homem[4]".

A língua italiana, como outras línguas neolatinas, sublinha o mesmo conceito, fazendo do verbo "apanhar", que indica uma ação tipicamente manual, a raiz de palavras como "entender", "aprender", "surpreender", que indicam em vez disso, atos de pensamento. Enquanto as mãos apanham, a mente entende, aprende e deixa-se surpreender. E, no entanto, para que isto aconteça, são necessárias mãos sensíveis. A mente não conseguirá entender nada se as mãos estiverem fechadas pela avareza, ou se forem "mãos com buracos", perdendo tempo, saúde e talentos, ou ainda se recusarem a dar a paz, cumprimentar e apertar as mãos. Nada poderá aprender se as mãos tiverem dedos apontando sem piedade para os irmãos e irmãs que erram. E nada será surpreendente se as mesmas mãos não puderem unir-se e elevar-se ao Céu em oração.

Olhemos para as mãos de Cristo. Com elas toma o pão e, tendo recitado a bênção, parte-o e dá-o aos discípulos, dizendo: «Isto é o meu corpo». Depois toma o cálice e, depois de dar graças, oferece-o dizendo: «Isto é o meu sangue» (cf. Mc 14, 23-24). O que vemos? Vemos mãos que agradecem enquanto recebem. As mãos de Jesus tocam o pão e o vinho, o corpo e o sangue, a própria vida, e agradecem, recebem e agradecem porque sentem que tudo é dom do Pai. Não é por acaso que os Evangelistas, para indicar a sua ação, usam o verbo ‘lambano’, que indica ao mesmo tempo “tomar” e “receber”. Façamos, portanto, harmonia dentro de nós mesmos, tornando também as nossas mãos "eucarísticas" como as de Cristo e acompanhando o toque, em cada contacto e aperto, com uma gratidão humilde, alegre e sincera.

Na guarda da harmonia interior, convido-vos então a "fazer coro" também entre os diversos componentes das vossas comunidades, e entre as várias instituições que representais. Ao longo dos séculos, a generosidade e a clarividência de muitas ordens religiosas, inspiradas pelos seus carismas, enriqueceram Roma com um número notável de Faculdades e Universidades. Hoje, porém, mesmo diante do menor número de alunos e professores, essa multiplicidade de centros de estudo corre o risco de desperdiçar energias preciosas. Assim, em vez de favorecer a transmissão da alegria evangélica do estudo, do ensino e da pesquisa, às vezes ameaça retardá-la e cansá-la. Temos de tomar nota disto. Sobretudo depois da pandemia de Covid 19, urge iniciar um processo que conduza a uma sinergia efetiva, estável e orgânica entre as instituições académicas, para melhor honrar as finalidades específicas de cada uma e promover a missão universal da Igreja[5]. E não fiquemos a discutir entre nós como prender um aluno, uma hora a mais. Convido-vos a não vos contentardes com soluções efémeras e a não pensardes neste processo de crescimento apenas como uma ação "defensiva", destinada a enfrentar o declínio dos recursos económicos e humanos. Pelo contrário, deve ser visto como um impulso para o futuro, como um convite a aceitar os desafios de uma nova era na história. A vossa é uma herança riquíssima, que pode promover uma vida nova, mas que também pode inibi-la, se ela se autorreferenciar demais, se virar peça de museu. Se quereis que tenha um futuro fecundo, a vossa custodia não pode limitar-se a manter o que foi recebido: deve, pelo contrário, estar aberta a desenvolvimentos corajosos e, se necessário, até inéditos. É como uma semente que, se não for semeada na terra da realidade concreta, fica sozinha e não dá fruto (cf. Jo 12, 24). Encorajo-vos, portanto, a iniciar o mais cedo possível um processo confiante nesta direção, com inteligência, prudência e audácia, tendo sempre presente que a realidade é mais importante do que a ideia (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 222-225). O Dicastério para a Cultura e a Educação, com o meu mandato, vos acompanhará neste caminho.

Queridos irmãos e irmãs, a esperança é uma realidade coral! Olhais atrás de mim a escultura do Cristo Ressuscitado, obra do artista Pericle Fazzini, encomendada por São Paulo VI para dominar este palco e esta sala. Observai as mãos de Cristo: são como as de um maestro. A mão direita está aberta: dirige todos os coristas e, tendendo para cima, parece pedir um crescendo na execução. Já a mão esquerda, voltada para todo o coro, tem o dedo indicador apontado, como se chamasse um solista, dizendo: "É a tua vez!". As mãos de Cristo envolvem ao mesmo tempo o coro e o solista, de modo que no concerto o papel de um coincida com o do outro, numa complementaridade construtiva. Por favor: não a solistas sem coro. "É a vez de todos!” e ao mesmo tempo: "É a tua vez!". Assim dizem as mãos do Ressuscitado: a todos vós e a ti! Contemplando os seus gestos, renovemos então o nosso empenho no "fazer coro", na harmonia e na harmonia das vozes, dóceis à ação viva do Espírito. É o que peço em oração por cada um de vós e por todos. Abençoo-vos de coração e recomendo-vos: não vos esqueçais de rezar por mim.



[1] Cfr Lettera agli Efesini, 2-5.

[2] Cfr L’idea di università, Roma 2005, 101.

[3] Cfr L’anima, III, 8.

[4] Antropologia pragmatica, Roma-Bari 2009, 38.

[5] Cfr Discorso ai partecipanti alla Plenaria della Congregazione per l’Educazione Cattolica, 9 febbraio 2017.

Imagem: Vatican Media

Tradução Educris a partir do original em italiano



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