«Fidelidade criativa, oportunidade e colegialidade», pede Francisco à Teologia

No encontro que manteve hoje com os membros da Comissão Teológica Internacional, o Papa pediu "fidelidade" criativa à tradição e criticou os que "permanecem fixos num tempo". NO seu discurso Francisco distinguiu o papel "dos teólogos e dos catequistas" e pediu "mais mulheres" na teologia, "não por moda," mas por que "pensam diferente" e "trazem à reflexão outro sabor"

Leia, na íntegra, o discurso do Papa Francisco  

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Agradeço ao Cardeal Ladaria as gentis palavras e exprimo o meu reconhecimento a todos vós pela generosidade, competência e paixão com que desempenhastes o vosso serviço neste décimo quinquénio de atividade da Comissão Teológica Internacional.

Graças às ferramentas que hoje tendes à vossa disposição, conseguiste iniciar o vosso trabalho remotamente, superando as dificuldades ainda causadas pela pandemia. E alegro-me também pelo acolhimento que reservaram às propostas dos três temas a serem explorados: o primeiro é a indispensável e sempre fecunda atualidade da fé cristológica professada pelo Concílio de Nicéia, no 1700º aniversário da sua celebração ( 325-2025); a segunda é o exame de algumas questões antropológicas emergentes hoje e de importância crucial para o caminho da família humana, à luz do desígnio divino de salvação; e a terceira é o aprofundamento - hoje cada vez mais urgente e decisivo - da teologia da criação numa perspetiva trinitária, escutando o clamor dos pobres e da terra.

Ao abordar estas questões, a Comissão Teológica Internacional continua o seu serviço com um compromisso renovado. Sois chamados a realizá-lo na esteira traçada pelo Concílio Vaticano II, que - sessenta anos depois do seu início - constitui a bússola segura do caminho da Igreja, «o sacramento, em Cristo, da união com Deus e da unidade de toda a humanidade» (Constituição Dogmática Lumen gentium, 1).

 

Gostaria de indicar-vos três direções de marcha, neste momento histórico; momento árduo ainda, para o olhar da fé, carregada da promessa e da esperança que brotam da Páscoa do Senhor crucificado e ressuscitado.

A primeira diretriz é a da fidelidade criativa à Tradição. Trata-se de assumir com fé e amor e de declinar com rigor e abertura o compromisso de exercer o ministério da teologia - a escuta da Palavra de Deus, o sensus fidei do Povo de Deus, o Magistério e os carismas, e no discernimento dos sinais dos tempos – para o progresso da Tradição Apostólica, sob a assistência do Espírito Santo, como ensina a Dei Verbum (cf. n. 8). De facto, Bento XVI descreve a Tradição como «o rio vivo no qual as origens estão sempre presentes» (Catequese, 26 de abril de 2006); e assim «irriga diferentes terras, alimenta diferentes geografias, fazendo germinar o melhor daquela terra, o melhor daquela cultura. Assim, o Evangelho continua a encarnar-se em todos os cantos do mundo, de modo sempre novo» (Constituição Apostólica Veritatis gaudium, 4d).

A tradição, origem da fé, ou cresce ou desaparece. Porque, disse um – creio ter sido um músico – que a tradição é a garantia do futuro e não uma peça de museu. É o que faz a Igreja crescer de baixo para cima, como uma árvore: as raízes. Em vez disso, dizia um outro, que o tradicionalismo é a "fé morta dos vivos": quando tu te fechas.  A tradição - quero sublinhar - faz-nos caminhar nesta direção: de baixo para cima: vertical. Hoje existe um grande perigo, que é ir noutra direção: o "retroceder". Andar para trás. “Sempre se fez assim”: é melhor retroceder, o que é mais seguro, e não seguir a tradição. Esta dimensão horizontal, como vimos, fez com que alguns movimentos, movimentos eclesiais, permanecessem fixos num tempo, num retrocesso. Eles estão atrasados. Penso - para fazer uma referência histórica – num qualquer movimento nascido no final do Vaticano I, procurando ser fiel à tradição, e que hoje se desenvolve de modo a ordenar as mulheres, e outras coisas, fora desta direção vertical, onde cresce a consciência moral, cresce a consciência da fé, com aquela bela regra de Vicente de Lérins: "ut annis consolidatetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate". Esta é a regra do crescimento. Em vez disso, o retrocesso leva-te a dizer que "sempre foi assim, é melhor continuar assim", e não te deixa crescer. Neste ponto, vós, teólogos, pensai um pouco sobre como ajudar.

A segunda diretriz diz respeito à oportunidade, para realizar de forma pertinente e incisiva o trabalho de aprofundamento e inculturação do Evangelho, de estar prudentemente aberto à contribuição das diversas disciplinas, graças à consulta de especialistas, inclusive não católicos, como previsto pelos Estatutos da Comissão (cf. n. 10). Trata-se - assim o esperava a Constituição Apostólica Veritatis gaudium - de valorizar o «princípio da interdisciplinaridade: não tanto na sua forma «débil» de simples multidisciplinaridade enquanto abordagem que favorece uma melhor compreensão dum objeto de estudo a partir de vários pontos de vista, como sobretudo na sua forma «forte» de transdisciplinaridade enquanto colocação e fermentação de todos os saberes dentro do espaço de Luz e Vida oferecido pela Sabedoria que dimana da Revelação de Deus. » (n. 4c).

A terceira diretriz por fim, é a da colegialidade. Esta adquire particular relevância e pode oferecer uma contribuição específica no contexto do processo sinodal, no qual é convocado todo o Povo de Deus, como sublinha o documento elaborado a este respeito, no quinquénio anterior, sobre a sinodalidade na vida e a missão da Igreja: «Como qualquer outra vocação cristã, o ministério do teólogo, além de pessoal, é comunitário e colegial. A sinodalidade eclesial compromete assim os teólogos a fazer teologia em forma sinodal, promovendo entre eles a capacidade de escutar, dialogar, discernir e integrar a multiplicidade e variedade de pedidos e contribuições» (n. 75).

Os teólogos devem ir mais longe, tentar ir mais longe. Mas quero distinguir isto do catequista: o catequista deve dar a doutrina certa, a doutrina sólida; não quaisquer novidades, algumas das quais são boas, mas o que é sólido; o catequista transmite doutrina sólida. O teólogo arrisca ir mais longe, e será o magistério a abrandá-lo. Mas a vocação do teólogo é sempre arriscar-se a ir mais longe, porque busca e procura explicitar a teologia. Mas nunca dar catequese às crianças e pessoas com doutrina nova que não está segura. Esta distinção não é minha, é de Santo Inácio de Loyola, que creio ter entendido algo melhor do que eu!

Desejo-vos, portanto, neste espírito de escuta recíproca, de diálogo e de discernimento comunitário, abertos à voz do Espírito Santo, um trabalho sereno e fecundo. Os temas confiados à vossa atenção e perícia são de grande importância nesta nova etapa do anúncio do Evangelho que o Senhor nos chama a viver como Igreja ao serviço da fraternidade universal em Cristo. Com efeito, convidam-nos a assumir plenamente o olhar do discípulo que, com uma admiração sempre nova, reconhece que Cristo, «exatamente revelando o mistério do Pai e do seu amor, também revela plenamente o homem a si mesmo e lhe manifesta a sua vocação suprema» (Constituição Pastoral Gaudium et spes, 22); e assim ensina-nos Ele que «a lei fundamental da perfeição humana e, portanto, também da transformação do mundo, é o novo mandamento do amor» (ibid., 38). E usei a palavra “espanto”. Acho importante, talvez não tanto para os investigadores, mas certamente para os professores de teologia: perguntar-se se as aulas de teologia causam espanto aqueles que as seguem. Este é um bom critério, pode ajudar.

Queridos irmãos e irmãs, agradeço-vos pelo vosso precioso, verdadeiramente precioso serviço. Abençoo de coração cada um de vós e os vossos colaboradores. E peço por favor que rezem por mim.

Acredito que talvez fosse importante aumentar o número de mulheres, não porque estão na moda, mas porque pensam diferente dos homens e fazem da teologia algo mais profundo e até mais "saboroso". Obrigado.

Imagem: Vatican Media

Tradução Educris a partir do originalem Italiano

24.11.2022



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